sexta-feira, 2 de julho de 2010

Proprietários que construíram imóveis às margens do Lago Serra da Mesa amargam prejuízos

Proprietários que construíram imóveis às margens do Lago Serra da Mesa amargam prejuízos

Serra da Mesa (GO) — O imenso Lago Serra da Mesa — o quinto maior do Brasil —, localizado ao norte de Goiás, às margens do Rio Tocantins, não tem, sob a superfície, apenas espécies variadas de peixes e de flora. Desde o início do ano, em suas profundezas, estão casebres, ranchos e muitas mansões. Com as chuvas e o fechamento das comportas da Usina Hidrelétrica de Serra da Mesa, centenas de residências construídas clandestinamente em terras que já haviam sido desapropriadas foram inundadas em poucos dias. Não se sabe ao certo quantas casas foram atingidas, mas calcula-se que pelo menos 600 estejam totalmente encobertas pela água. O que restou de condomínios de luxo e pequenos vilarejos está sendo retirado rapidamente pelos moradores, já que o volume de água continua subindo e pode atingir até 10 metros além do nível atual.

Otacílio Alves de Castilho, 73 anos, deixou o negócio de produtos óticos que tinha em Taguatinga para ter uma vida mais tranquila ao lado da natureza. Escolheu viver às margens do Lago Serra da Mesa, localizado entre montanhas, abrangendo os municípios goianos de Colinas do Sul, Minaçu, Niquelândia(1), Uruaçu, Barro Alto e Campinorte. O gigantesco lago artificial é o reservatório da usina, e hoje acumula 54,4 bilhões de metros cúbicos de água, distribuídas em uma área de 1.784 km². Castilho é uma das pessoas que adquiriu um lote no Condomínio Serra do Mateus, uma ilha em frente ao local onde mora e onde ainda existem dezenas de animais, como antas, capivaras, caititus, onças e pássaros variados.

Antes de o reservatório começar a encher, Castilho gostava de criar galinhas, patos e perus, além de pescar tucunarés, o peixe mais abundante na região. Hoje, sua preocupação é com o nível da água. “Está subindo um centímetro por dia”, afirma o ex-ótico, que está em uma casa emprestada. A sua, simples, mas espaçosa, foi tragada pelo lago há uma semana. Castilho, entretanto, não perde a esperança de reverter a situação e já constrói outra residência na propriedade. “Com o crescimento do país, a população vai gastar mais energia e, com isso, o reservatório vai esvaziar”, calcula. Quando comprou o terreno, há seis anos, ele não sabia que tudo seria inundado e investiu mais de R$ 50 mil na construção da moradia.

Porém, a situação é mais complicada do que Castilho imagina. A cota do Lago Serra da Mesa é de 460,50 metros acima do nível do mar e, no primeiro dia de fevereiro, estava em 450,55 metros, 10 a menos do volume máximo, que já está subindo devido ao fechamento das comportas e das chuvas. Furnas Centrais Elétricas, responsável pela usina, não sabe quando o nível máximo será atingido, já que tudo dependerá da demanda e das chuvas. “Todo mundo sabia que isso iria acontecer, mas não sabia quando”, diz João Gomes da Silva, administrador da maior pousada do lago. A área de camping, cercada por coqueiros, a churrasqueira e a cozinha já estão debaixo da água.

Assim como Castilho, Silva pretende recuar a pousada até onde o nível do reservatório não alcance. Mas o mesmo não poderá ser feito por antigos moradores da Ilha da Pedra, no centro do lago. Hoje, o que resta das mansões construídas no local são os telhados ainda descobertos pela água, assim como as copas das árvores. Lá, e em outras regiões do reservatório, é comum a movimentação de pessoas em busca do que restou de suas moradias. Telhas, janelas e utensílios domésticos são retirados por barcos.

O pedreiro e hoje comerciante Ariston Sousa Filho, de 37 anos, deixou Brasília há cinco anos para fazer construções ao redor do Lago Serra da Mesa. Ganhou o suficiente para abrir o armazém que hoje abastece não apenas os turistas que chegam, principalmente para pescar, mas também os moradores da região. Ele perdeu a conta de quantas residências ajudou a levantar e que hoje estão escondidas pelas águas. Casas feitas de material caro, como o blindex ou de madeiras nobres. A de Ariston, porém, não corre o risco de ser inundada, já que fica fora da zona que ainda pode ser inundada pelo reservatório. “Muita gente aqui perto ainda pode perder tudo”, diz ele, mostrando algumas propriedades na área de risco.

Mansões
Ninguém sabe quantas residências estão ou ficarão no fundo do lago. “Calcula-se entre 400 e 600”, diz o secretário de Relações Institucionais da Prefeitura de Niquelândia, Leomar Oliveira. Mas quem passa em frente onde era o condomínio de luxo Talismã, pode ter uma ideia de que esse número fica aquém do real. Apenas naquele condomínio, pelo menos 200 mansões estão submersas. Eram casarões de políticos e empresários da região e, principalmente, de Brasília. Além dele e do condomínio Serra do Mateus — dos menos endinheirados —, outras invasões estão sendo atingidas pelas águas. “Se continuar subindo (o nível da água), muita gente ainda será atingida”, completa Oliveira.

Segundo o secretário, muitas pessoas compraram os lotes de vendedores de má-fé. “Furnas avisou, e muito bem avisado, que a inundação iria acontecer, mas as pessoas passaram informações não verdadeiras para ludibriar os compradores dos terrenos”, diz o secretário. Foi o caso do artesão José Amâncio, morador de Pirenópolis (GO). A negociação, feita com um servidor público, foi, inclusive, registrada em cartório. “Agora, não tenho com quem reclamar”, diz. Furnas ainda mantém equipes na região, avisando os moradores sobre a subida da água e alertando que não haverá novas indenizações. “Não haverá nenhuma compensação mesmo. Afinal, foi a população que desrespeitou”, observa Oliveira.

1 – Contribuição financeira
Niquelândia, cujo nome foi uma alusão à produção em abundância do metal níquel, recebe benefícios anuais de Furnas Centrais Elétricas por causa do uso dos recursos hídricos. Em 2008, dos municípios que também ganham uma contribuição financeira, a cidade ficou com a maior parte: R$ 4,7 milhões — três vezes mais que Barro Alto, a segunda colocada, com R$ 1,4 milhão. Apenas naquele ano, a empresa distribuiu R$ 19,7 milhões. Desse total, R$ 7,8 milhões foram repassados a todos os estados brasileiros, além do DF, e R$ 1,97 milhão para a União.

Não haverá novas indenizações
Furnas não vai indenizar os moradores que foram atingidos pelo reservatório não apenas pelo fato de já ter feito isso quando começou os processos de desapropriação da área onde hoje está instalada. Além disso, os locais onde foram construídas as novas e irregulares moradias é de preservação ambiental e, segundo a lei, fica em regiões onde existem reservatórios, é necessário manter áreas de conservação ecológica de 100 metros de largura no meio rural e 30 metros em setores urbanos.

A empresa afirmou, por meio de sua assessoria, que não há períodos definidos para aumentar o volume de água do Lago Serra da Mesa. Desde outubro, funcionários da empresa (1)percorrem a região em busca de novos posseiros que estejam na área proibida, mas que não têm direito a qualquer compensação. O processo de indenização, realizado em 1996, compreendeu 3 mil famílias, que receberam cerca de R$ 200 milhões. (EL)

1 – Preservação ambiental
A Usina Hidrelétrica de Serra da Mesa fica na bacia do Alto Tocantins, no interior de Goiás. Sua capacidade de geração de energia é de 1.275 megawatts, que atende principalmente o estado goiano e o Distrito Federal. O empreendimento foi um dos primeiros no Brasil a ser realizado em conjunto com institutos de preservação ambiental, já que foi construída em regiões com diversidade de fauna e de flora, além de próxima a reservas indígenas. A usina começou a funcionar em 1998. (CB)

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